Fogo na Residência: Creio que vivíamos no final de 1939 ou início de 1940, ocasião em que a produção já havia sido recolhida ao celeiro. Os paióis estavam repletos de arroz (amontoado em cacho) e milho ( em espiga).
A luta da familia continuava, quando ocorreu o desastroso incêndio de nossa casa, marcando profundamente a vida de todos nós.
Tudo ocorreu por conta de um inconveniente ninho de inseto, uma casa de maribondo "enxu" muito comum na região. (Inseto himenóptero, vespídeo (Polybia scutellaris), de coloração preta, com dois traços amarelos, transversais, quase unidos, no meio do dorso. Constrói o ninho, esférico, com quase dois palmos de diâmetro, nos beirais das casas ou nas janelas).
Um grande ninho foi construído na cumeeira de nossa casa e sua rica produção de mel passou a “adoçar” e a agitar a dormida de meus pais, especialmente, de minha mãe, subtraindo-lhes o merecido repouso.
A mãe já havia solicitado providências a meu pai a respeito daquele meloso vizinho. Porem, suas múltiplas responsabilidades ainda não lhe haviam permitido solucionar o tal problema. Como minha mãe não era muito de esperar, resolveu tomar providência.
Ela já havia visto Nezinho, seu genro, realizar uma operação dessas.
Foi numa bela manhã ensolarada de domingo, após uma daquelas noitadas chuvosas de matar sapo, muito comuns na região, que ela deliberou o audacioso e inflamado evento.
Meu pai havia saído muito cedo, acompanhado de meu irmão Antônio, a fim de comprar os suprimentos semanais, na cidade. Na casa, estavam apenas duas pessoas adultas: ela própria e sua filha mais velha, Maria.
Trabalhava também com meus familiares, na ocasião, o Pedro Martins, um irmão de Nezinho, que sofreu muito com o paludismo. Era um jovem alegre e brincalhão. Quando chegava da roça, para o almoço, ao entrar na casa da colina, citava passagens bíblicas para minha mãe: "Dona Conceição, dá de comer a quem tem fome" ! Também este havia ido à cidade naquele dia.
Meu irmão Sinhô, cerca de 12/13 anos de idade, único homem da casa, naquele momento, tornou-se, também, a figura chave, com quem minha mãe poderia contar para aquela perigosa operação incendiária.
Considerando que havia chovido bastante durante a noite, ela confiava no pleno sucesso daquela intervenção cirúrgica "maribúndica" e resolveu queimar os ninhos (o nosso, e o dos marimbondos), usando uma tocha de palha seca de milho, untada em querosene, presa num talo de palmeira.
Creio ser aquilo uma experiência inédita para ela, senhora de orações, muito confiante na providencia divina. Confiava também na humidade da cobertura da casa, como facilitadora do controle das chamas, embora soubesse que, a chuva só havia molhado por fora.
Talvez ela não tenha imaginado que a cera e o mel pudessem imediatamente incrementar a combustão da palha. Este foi o quadro que se desenhou aos nossos olhos espectadores.
Sinhô, bastante solicitado, bem que tentou, por todos os meios possíveis, conter as chamas antes que se propagassem. Procurou apagar o fogo por cima e por baixo da cobertura. Tudo em vão... Estava consumada a grande tragédia e, diante das circunstâncias, não havia mais nada a fazer senão, encarar o problema com os braços e pernas existentes.
Havia apenas duas pessoas adultas (Mãe e Maria) e Sinhô (12/13 anos). Os demais, crianças com menos de oito anos: Cesário, Sinhara, Judite, eu e Socorro, minha sobrinha. Raimunda, provavelmente, já havia se casado e, nesta época, não residia conosco.
A casa não tardou a se extinguir sob a violência das chamas e nosso olhar de pavor. Os paióis de milho e arroz ainda bem que tiveram queimadas apenas as camadas superficiais. Muita coisa foi retirada, depois, do meio da fumaça.
Ao cair da tarde, chegando da cidade, meu pai ainda avistou, ao longe, a fumaça emanando da verde colina. Não sei que pensamento lhe ocorreu. Porem, o mano Antônio, ao ver de perto o que restou, no meio do carvão e da fumaça, exclamou chorando: “Oh Meu Deus!.., queimou-se meu facãozinho!...” Ele era muito cuidadoso com sua ferramenta de trabalho.
Disseram-me que durante a correria para salvar do incêndio o que fosse possível, eu e minha sobrinha Socorro, crianças com 2 a 3 anos, muito atrapalhamos, correndo apavorados para dentro e para fora, atrás das pessoas, naquela maratona maluca de salvamento.
Dizem que alguns moradores da região chegaram a ouvir o barulho do incêndio porem, confundiram-no com zoada de avião e não deram maior importância.
Foi o fim da nossa casa da colina, na beira do lago da Trindade.
Um comentário:
ADOREI LER O SEU PASSADO FOI DRAMATICO, MAIS QUANDO LHE CHAMO DE UM GUEREIRO ESTOU CERTA,DESCULPA, NÂO AGUENTEI SORRIA E CHORAVA AO MESMO TEMPO, VAI EM FRENTE LEGAL VALEU,BJS DA SOBRINHA JUDITE,
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