quarta-feira, 18 de agosto de 2010
RAIMUNDA E PEDRO: CAMINHO DA ROÇA
terça-feira, 17 de agosto de 2010
ÉS CURADO DE COBRA ?
Era final da temporada das chuvas, provavelmente, abril ou maio, ocasião dos preparativos para dar início à moagem da cana e a produção de melado, aguardente, rapadura e açúcar, atividades principais da estiagem, na região.
Meu Pai (José Bello), meu irmão Antônio e eu, regressávamos de Pedreiras para a Trindade, por aquele caminho tortuoso, conduzindo um animal com preciosa carga: o "Pé-de-Dorna", um tipo de garapa azeda obtida por meu pai no engenho do Sr. João Rosa, situado nos arredores de Pedreiras.
Este material destinava-se à fermentação do caldo-de-cana para produção de aguardente no engenho de meu pai, na Trindade.
Caminhávamos em fila, atrás da mula: Antonio, eu e, por fim, meu Pai. Ali, naquele trecho de caminho do Altamira, havia um tronco de pinhão-roxo cortado, deitado ao chão, medindo de 20 a 30 cm de diâmetro. Escondida por baixo do troco estava uma cobra cinzenta, venenosa, identificada como sendo uma “Espada-velha”.
Creio que despertou com os primeiro caminhantes e quando chegou minha vez de cruzar o tronco ela deu o bote, picando meu dedo indicador do pé esquerdo. Tomei um susto danado quando senti arder o dedo vi a cobra.
Comecei a pular desesperadamente, tentando sair daquela situação. Quando, finalmente, consegui libertar-me, meu pai quis matar a cobra porem, ela já estava morrendo. Creio que, movido pelo pavor, a matei pisoteada.
Depois, ele queria passar pela casa do Alves, um Sr. curado de cobra, para pedir-lhe o remédio definitivo: uma cuspida na boca para matar o veneno da cobra.
Eu me dispus a atolar o pé em todo lamaçal do caminho, para não me submeter à tortura da cuspida.
Que remédio louco !...
Daí por diante, passaram a crer que eu seria mais um privilegiado, curado de cobra, podendo, tambem, cuspir e curar.
Devo acrescentar que, quando ainda criança, aprendi uma oração para proteção contra picada de cobra, nos seguines termos:: "São Bento, Agua Benta, Jesus Cristo no Altar, abaixa tua cabeça cobra, deixa, em paz, o nosso povinho passar".
segunda-feira, 16 de agosto de 2010
Raimunda Furtado Leite: Alguns Traços Históricos
Informes iniciais: Conforme pesquisas, Raimundo significa protetor ou sábio, pessoa muito rigorosa consigo mesma, com tendência a isolamento e a supervalorização das virtudes de outrem. Quando consciente de sua importância, pode tornar-se conselheiro e sustentáculo. Dizem ser palavra de origem francesa: do gótico "protetor, poderoso". No entanto, outros acreditam que a palavra provém de Ramiro, nome de origem alemã, de onde deriva Radamir, cujo significado é: "conselheiro ilustre, famoso". Derivando Raimón = Raimundo.
Local de Nascimento: Raimunda Furtado Leite nasceu em Pedreiras (Ma), no bairro "Anjo da Guarda" (?), em 4 de agosto de 1924, casou-se em 1939, com 15 anos de idade, com Raimundo Cesário Cruz, seu primo em primeiro grau, tendo falecido em 30 de agosto de 1964.
O Casamento: Segundo informações colhidas junto a vários familiares, o casamento ocorreu de modo singular. Os primos namoravam e tinham intenção de realizar um casamento que, por precoce, provavelmente, seria contrário à vontade dos pais. Por isso, planejaram fugir e por em prática seus intentos. Entretanto, o pai da jovem, tendo se deslocado da Trindade à Pedreiras para participar da missa dominical, lá, tomara conhecimento do plano dos jovens e, quando regressou, passou pelo Altamira para acertar as coisas. Deve ter havido uma conversa amistosa com a filha que culminou na aprovação do seu casamento. Certamente, conviria mais a ele um casamento precoce do que o vexame da fuga de dois jovens embevecidos de amor.
Localidade Altamira: Viajando de Pedreiras para a Trindade, trilhei muito pelo caminho que passa por esta localidade, quase uma trilha de roça, cortando morros e vales lamacentos povoados de palmeirais. E lembro-me bem da linda propriedade chamada Altamira. Nela havia uma bela casa, provavelmente remanescente de antiga fazenda de escravo, cercada de fruteiras, numa colina, afastada cerca de 500 metros do caminho geral. O acesso era feito por uma cancela e um corredor de cercas onde podiam ser vistos alguns exemplares senis da elegante palmeira-real, provavemente, plantados por escravo, na segunda metade do século XIX.
A Festa do Casamento: Dizem que a festa do casamento ocorreu no Altamira, na casa de tio Joaquim Cesário Cruz (Quinco Cesário), o pai do noivo, tio da noiva, propriedade situada no caminho da cidade, entre as terras dos Cardosos e Augustinhos, integrada à planície do importante Igarapé da Agricultura (1) que irriga as terras de meu padrinho Bello Xavier.
Meus pais aprovaram o casamento porém, não participaram. Fizeram-se representar por minha irmã Maria e seu esposo Manoel Martins dos Santos (Nezinho).
Onde Residiram: Não tenho informação sobre o local de residência do novo casal durante os dois primeiros anos de vida conjugal, provavelmente lá mesmo no Altamira. O certo é que, em outubro 1941, residia na Trindade, numa antiga casa, à beira do riacho, onde foram construídas nossa residência definitiva e a nova casa de engenho, após o incêndio da casa da colina, do lago.
Nascimento de Inácio: Tenho lembrança de que, ali, nasceu o primeiro filho de minha irmã Raimunda, Inácio Cesário Cruz. Naquele dia, com pouco mais de 3 anos de idade, eu não sabia o que estava acontecendo do lado interno daquela casa cercada de mangueiras e laranjeiras, naquela beira de caminho do rio Mearim. Era um grande alvoroço, corre-corre, pra dentro e pra fora, e ninguém me dava qualquer explicação. Crianças não podiam chegar perto. Amedrontadas, eram afastadas dali sem qualquer explicação sobre o que se passava na casa.
Segunda Lembrança Mais Antiga: Creio que esta deve ter sido a minha segunda lembrança mais antiga, visto que a primeira, foi aquela em que meu pai salvou-me de entre os chifres dos bois Moreno e Azulão.
Seria um Novo Incêndio ?: Eu já havia presenciado a correria de um incêndio. Aquele que destruíra nossa casa da colina, acontecimento guardado apenas em meu subconsciente, pois confesso que não lembro absolutamente nada dele. Estaria ocorrendo, ali, outro incêncio ...?
Felizmente, não se tratava disto mas, dos preparativos para a chegada do meu sobrinho Inácio.
O Nome e a Promessa: O nome Inácio fora dado ao recém-nascido, segundo fui informado, para assegurar-lhe a sobrevivência, tendo em vista que três outras crianças nascidas anteriormente, não haviam sobrevivido.
Pesquisas apontam que Inácio significa ardente e indica uma pessoa vivaz e inteligente que, em geral, amadurece com as dificuldades. Supera obstáculos com bom humor e perseverança. Há quem atribua ao nome Inácio origem etrusca. O fato é que, na história, aparece registrado como sobrenome pelos antigos romanos.
Relatos de Sinhara e Judite:
A seguir, apresento um relato elaborado por minhas irmãs Judite e Sinhara sobre esta matéria: "Primeiro vamos falar sobre a nossa casa na trindade, a 1ª casa foi queimada em 1940 + ou - em dezembro. Depois que a casa queimou, fomos morar na casa do engenho no mesmo lado do lago, o caminho ficava no meio entre a queimada e o lago. Perto da casa do engenho tinha um caminho que ia até o brochado (2). Nezinho morava no mesmo lado, em uma lombada, antes da casa do engenho velho; de lá, ele via o fogo e foi ajudar a apagar. Os moradores da Trindade, ao ouvirem a zoada do fogo na casa, pensavam que era barulho de avião, algo difícil de se ouvir, na época. Somente após se haver espalhado a noticia os moradores correram e, certamente, ainda puderam ajudar no salvamento. Foi aproveitado apenas um pouco do milho e do arroz. Na casa do engenho não dava para morar, então o Pai comprou uma casa do Sr. Alípio. Ela ficava próxima ao terreno onde ele construiu, posteriormente, a morada definitiva. Uma bela casa de taipa, coberta de telha".
"Sobre Raimunda: ela não chegou a fugir. Pai havia vindo a Pedreiras onde ouviu boatos afirmando que Raimundo Quinco iria roubá-la, e que o Pai dele estava de acordo. Nosso Pai passou lá, no Altamira, e declarou que não precisavam roubá-la. Afirmando que, mesmo contra sua vontade, iria aceitar o casamento e, gostaria que o mesmo fosse realizado logo.
Quando ela casou, ficou morando em Altamira, logo ficou grávida e acabou perdendo (sofreu um aborto) com poucos meses, depois do 2º aborto ele mudou para a Trindade, para a casa da beira da estrada, perto da bagaceira do engenho. Ele foi trabalhar no engenho do sogro. Houve o 3º aborto. Então aconselharam que ela deveria fazer uma promessa com Santo Inácio para não mais perder as crianças. A promessa era assim: o primeiro filho que nascesse vivo e de tempo normal se chamaria Inácio. Feita a promessa, a gestação transcorreu normal, a criança nasceu em paz e recebeu o nome Inácio, como prometido. Dai por diante, nasceram-lhe e foram criados mais 12 crianças.
OBS: conforme prometido, são palavras da minha mãe Judite e da tia Sinhara....um abraço....Janaina.
(1) O nome indica que a extensa planície cortada por este grande Igarapé suportou, por longo tempo, um avançado e produtivo projeto agrícola. Aquele campo agrícola foi abandonado e tomado pela vegetação secundária, especialmente, de assa-peixe e cambará-chumbinho. Enfeitando algumas cercas próximas ao povoado dos Bellos havia, ainda, alguns pés de eucalipto (árvores enormemente longas e retilíneas), testemunhas vivas dos áureos tempos daquele empreendimeto rural.
(2) Uma região de lagos, planície inundável do rio Mearim, onde se faziam as plantações de vazantes, especialmente de melancia e melão
terça-feira, 3 de agosto de 2010
Morada provisória e a nova residência
TRÁGICO FIM DA NOSSA CASA NA COLINA DA TRINDADE
Malária na Trindade
O vale do Mearim, pertencente à pré-amazônia, está submetido a clima quente úmido florestal, portanto, muito propício ao desenvolvimento de doenças tropicais, como Malária, Febre Amarela, Doença de Chagas, Leishmaniose e Dengue.
O ambiente escolhido para fixação da residência, rico em umidade e vegetação arbórea, não tardou a manifestar os efeitos de sua insalubridade. Com o passar do tempo, a febre foi minando as forças da família, a ponto de não haver alguém sadio para cuidar dos demais. Com febre, meu pai ia à cidade comprar medicamento para toda a família. Lá mesmo, na farmácia, meu pai ingeria sua amarga dose de um remédio feito à base de quinina, para baixar a febre.
Apesar de tudo, a vida continuou e, dentro de algum tempo, foi construído também um galpão e um engenho de pau, puxado a boi, para moer cana. Plantou-se canaviais e roças de milho, arroz, feijão, mandioca e etc., as lavouras normais de subsistência.
Alguns membros da família não conseguiram suportar aquele embate com o mosquito da malária. Para sobreviverem, tiveram que voltar a residir na cidade.
Chegada à Trindade
Uma casa na colina: Na Trindade, nossa morada primeira foi construída sobre uma colina verdejante, a cerca de um quilômetro do rio Mearim, A casa emergia sobranceira do meio de uma vegetação secundária (capoeira), reminiscência das exuberantes florestas primárias que cobriam a região, num passado não muito remoto. Florestas que haviam sido abatidas pela força do braço escravo, principalmente, para plantação de cana-de-açucar, algodão e pastagem.
A casa era de taipa (paredes de pau-a-pique e varas amarradas com cipó ou fibra vegetal) e chão batido, coberta com palhas de babaçu; construída, provavelmente, entre o final do inverno e início da primavera de 1938, visto que, nascido em abril daquele ano, eu tinha apenas quatro meses de idade, quando ali chegamos.
Nossa família era relativamente numerosa: meu Pai (Zé Bello), minha Mãe (Maria da Conceição), seus oito filhos e dois cunhados (Nezinho e Raimundo Quinco). Os oito filhos compreendiam, em idade decrescente: Maria (casada com Nezinho). Raimunda (noiva ou recém-casada, com Raimundo Quinco).
Sinhô, Antonio, Cesário, Senhara, Judite e Pedro eram crianças ou adolescnetes, com nemos de 14 anos. O mais novo membro da família era a netinha Socorro, filha de Maria, nascida por volta de outubro de 1938.
As atividades de roça tinham início no mês de outubro, com as derrubadas, queimadas e a limpeza do terreno (encoivaramento). Naquela região, ainda hoje, estas operações fazem parte do dia-a-dia dos agricultores.
Experimentado nas lidas da lavoura, meu pai possuía importantes projetos a desenvolver ali. Dentre eles destacavam-se: as plantações tradicionais de milho, arroz, mandioca e feijão e a formação de canaviais para a indústria de açúcar e aguardente, alem do cultivo de pastagem, principalmente, para manutenção do gado leiteiro, dos animais destinados ao trabalho do engenho e ao transporte, em geral, na propriedade.
Plantar tabaco e produzir fumo-de-corda também fazia parte das atividades na Trindade. Quando residia no São Manuel meu pai já compreendeu a importância de produzir e comercializar fumo. E geralmente, vendia sua produção diretamente ao consumidor, para auferir melhores lucros.
(continua...)